sexta-feira, 20 de março de 2009

As fitas perdidas (retorno ao blog)

Eduardo Pessoa


O blog está de volta, após três anos sem escrever. Tantas coisas aconteceram nesse tempo, e sinto a necessidade em retomar, sob forma de textos, minhas inquietações filosóficas, sociológicas e intelectuais. Não escrevi durante esse período, embora não tenha ficado calado. Foi importante amadurecer, para não apenas criticar, mas iniciar a construção de um mundo melhor, como sempre sonho.

A roupagem do Tarja Preta está diferente, para provar que é possível aliar qualidade gráfica com textos críticos e reflexivos. Essa potência chamada Brasil, com suas dicotomias sociais, está em período de efervescência, pois aos poucos surge a resistência, o debate sem tendências, as manifestações, os protestos e a possibilidade (mais uma vez) de podermos crescer e se desenvolver enquanto nação. Tudo isso vem com a elite tentando manter seu status quo, fazendo uso de seus meios produtivos para conservação, inalteração e inércia da mobilização e conscientização do povo, em beneficío da liberdade econômica.
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A grande mídia, de sua parte, contribui para criar o clima de negatividade necessário para fomentar a inércia social, gerando a sensação de que somos vira-latas dos Estados Unidos e União Européia. Não apenas a notícia ruim precisa ser notícia. Sim, deve ser noticiada, mas de forma que haja análise dos fatos e ouvidas as falas envolvidas no processo. O simples fato de expôr a notícia sem análise, ou sem ouvir uma das partes cria a cultura do espetáculo. As boas notícias também podem ser notícias. Para haver um país livre e democrático, é importante que se tenha uma imprensa pluralista. O Brasil passa por uma situação econômica privilegiada em relação aos países chamados "de primeiro mundo". O momento é adequado para que o Estado interfira veemente na economia, para criar o equilibrio, oferecer a oportunidade de circulação de dinheiro no mercado interno, além de corrigir as distorções do neoliberalismo.
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A elite não quer o país com esse perfil. E por quê?
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Ora, havendo interferência no Estado, diminuem as regalias e o cumprimento do "dever de casa" estabelecido pelo mercado financeiro, entidade de que se fala muito e pouco se conhece. O momento histórico é crucial para que o país seja protagonista de uma nova agenda sócioeconômica, a nível nacional e mundial, juntamente com Índia, China e África do Sul. Nas palavras de um leitor do blog do jornalista Rodrigo Vianna: "O país precisa pensar mundialmente e agir localmente". Sim, precisamos estar antenados com o mundo, mas focados nas questões da agenda brasileira: fim da desigualdade social, melhorias na educação e na saúde, ampliação da assistência pública em diversas frentes, maior mobilização e construção de cidadãos participantes. Apenas para citar algumas. É de extrema importância que este governo literalmente "ignore" o apelo das elites na manutenção de nossa "vocação colonial-agrária" para erguermos um Brasil novo, diferente, mais democrático e desenvolvido, para que todos sejamos autores e beneficiários desse projeto de desenvolvimento nacional. Os diretores, executivos e porta-vozes irresponsáveis do neoliberalismo não podem passar impunes. Precisam ser punidos nos rigores da lei e da história.
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Observação: Parte do título do texto remete ao nome do álbum do rapper Nas, chamado "The Lost Tapes" (As fitas perdidas, na tradução livre), aliás, um primor de obra dentro do gênero.
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Sobre o autor:
Estudante de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília e editor do blog Tarja Preta.

terça-feira, 10 de março de 2009

Apocalíptica

Por: Eduardo Pessoa

Tempos atrás surgiu a oportunidade de assistir ao filme chamado Apocalíptica. O filme praticamente passou despercebido pelas salas do cinema, embora seu diretor seja um dos grandes ícones do cinema hollywoodiano: Mel Gibson. Sim, ele mesmo, o diretor do filme “Paixão de Cristo”.

Os telespectadores incautos, que se recordam das cenas chocantes do segundo filme, provavelmente se choquem com esse filme. Sim, ele é chocante, não pelas cenas violentas – têm muitas, mas não em abundância como Paixão de Cristo – mas pela qualidade da filmagem, da fotografia, dos atores e da linguagem, que tentou ser o mais fiel possível da original.

O filme inicia com uma floresta densa, e um grupo de índios correndo atrás de seu alimento – uma anta. A corrida pára quando uma armadilha repentinamente captura a anta e eles finalmente podem degustá-la. Um dos membros é vítima de uma brincadeira dos demais machos, por conta da sua falta de “virilidade”. Para melhor seu desempenho com a companheira, oferecem a ele os testículos do animal, que além de ser nada apetitoso, não tem nenhuma finalidade terapêutica. Por fim, ele acaba regurgitando os testículos do bicho.

O ponto em questão tratado no filme, porém, é uma tribo de índios das florestas mexicanas que são dominados por outra tribo, tecnologicamente avançadas em armas, rituais e organização. Tudo leva a crer que a tal tribo sejam os Mayas.

O filme usa e abusa dos efeitos especiais, já vistos no filme anterior, embora Mel Gibson percorra todo o filme a partir da visão da tribo oprimida e da noção de “medo” alimentada pelo protagonista. O tempo todo ele tenta fugir, se esconder e ludibriar seus “medos”, mas eles somem quando assume a atitude de enfrentá-los, e de salvar sua tribo da sangria religiosa dos rivais, derrotando um a um seus integrantes. A mesma cena de captura da anta se repete no final do mesmo, quando um dos índios dos Mayas é vítima da armadilha.

Durante a visualização de Apocalíptica, a tribo dominada sempre aparece em tons “neutros”, enquanto que os dois grupos dominantes – os Mayas de início e os espanhóis depois – aparecem em tons mais claros e luminosos, mostrando que o poder e o domínio são coisas iluminadas, ou seja, divinas. A companheira do protagonista, que já tinha um filho, está grávida de outro filho, e ela, para se proteger da barbárie dos Mayas, fica presa durante todo o filme dentro de um buraco e diversos fatos acontecem – e nos recordam – que ela está ali, viva, aguardando o retorno de seu companheiro.

O buraco com a índia preso dentro é a analogia de milhões de mulheres que querem sua autonomia e independência, mas que ainda são presas a concepções tradicionais de seus namorados, esposos e maridos, que não aceitam que ela arrume emprego – e ganhe mais do que ele – que ela tenha a liberdade sobre o próprio corpo, e sobre os próprios sentimentos. Atitudes retrógradas são divulgadas, vez ou outra, pelos meios de comunicação. O episódio da menina Eloá, brutalmente assassinada na cidade de Santo André – ocorrido em Outubro de 2008, com participação canina da mídia – é um retrato dessa falta de liberdade que muitas mulheres ainda presenciam. O perfil do protagonista, por sua vez, relata o perfil de um povo que luta com todas as forças para sobreviver. Não é mera coincidência que a história dele se confunda com a história das classes mais pobres no Brasil, que lutam com todos os meios para sobreviver a voracidade do capital especulativo privado, que promove – a seu modo – meios de demitir os trabalhadores, aumentar seus lucros e desumanizando o processo trabalhista, com incentivos e dinheiro do Estado. Em alguns momentos de nossa história, apontamos para um processo de consciência nacional e de controle da população sobre os meios de produção e os processos econômicos. As iniciativas populares foram duramente reprimidas pela Ditadura Militar, que tratou de manter as coisas “no seu devido lugar”.

Hoje nos confrontamos com um país, que apesar dos esforços do governo em mantê-lo longe das ondas da crise econômica, os ventos de recessão já sopram por aqui: mais de 50 mil empregados na indústria, no setor automobilístico, entre outros, estão desempregados. A fusão entre empresas falidas contribui para o aumento de demissões em massa.

Assim como o protagonista de Apocalíptica, é importante que os movimentos sociais brasileiros, compostos por grupos oprimidos social e economicamente deixem seus medos de lado e estabeleçam, dentro de nossa agenda socioeconômica, novas pautas para o mundo capitalista especulativo, que tirou dinheiro dos setores produtivos e dos mercados internos, acumulando-os em instituições financeiras, na sua grande maioria privadas. Faz-se urgente propor não apenas novos rumos econômicos, mas novos rumos sociais, pois o mundo atual, com as estruturas capitalistas sugando e diminuindo o conceito de nação e povo, não está muito diferente do Apocalipse, que inspirou o título do filme.

Sobre o autor:
Estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília e editor do blog TarjaPreta.

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Quem está mentindo, Lula ou FHC?

Observação:
Clique no título para ver a matéria publicada no site original.


por:
Bernardo Kucinski


FHC disse outro dia que o PT mente, mente, mente, até que a mentira se torne verdade. Depois, foi a vez de seu candidato repetir a acusação. Fui conferir. Descobri que não é bem assim. Localizei facilmente quatro mentiras importantes que os tucanos é que vêm repetindo ad nauseam.

Fernando Henrique disse outro dia que o PT mente, mente, mente, até que a mentira se torne verdade (veja abaixo a nota 1). Depois, foi a vez de seu candidato repetir a acusação (2). Fui conferir. Descobri que não é bem assim. Localizei facilmente quatro mentiras importantes que os tucanos é que vêm repetindo ad nauseam, conseguindo que se tornem verdades, com a ajuda de nosso preguiçoso e desmemoriado jornalismo.

Primeira mentira, a do aparelhamento do Estado. Essa foi espalhada pelos tucanos logo no início do governo Lula e repetida pela mídia. Acusaram o governo Lula de manter 40 mil cargos de confiança (os que não precisam ser preenchidos por servidores de carreira). Mentira grosseira: em 2005 havia 19.925 cargos de Direção e Assessoramento Superior, chamados DAS ou cargos de confiança. Menos da metade do que dizia o tucanato. Desse total, apenas 7.422 foram preenchidos ou substituídos por indicados pelos partidos da base de sustentação do governo (3). E pelos dados disponíveis no site do Ministério do Planejamento, 68,9% dos DAS em novembro de 2005 continuavam sendo ocupados por funcionários públicos de carreira, praticamente a mesma proporção de novembro de 2001 (70,5%), apesar da profunda virada política que representou a vitória de Lula. E mais: cerca de 80% vão de DAS1 a DAS3, que dão ao servidor uma gratificação de apenas R$ 1.000 a R$ 1.500. São servidores ocupando funções que exigem confiança, mas relativamente modestas, como secretárias (4).

Qual a função dessa mentira? Em primeiro lugar, desviar a atenção do estrangulamento do Estado a da terceirização generalizada dos serviços públicos revelada quando Lula assumiu. É o governo Lula que está promovendo grandes concursos públicos para preenchimento de cargos que o governo FHC deixou vagar ou terceirizou. Mas o principal objetivo dessa mentira é bloquear a indicação de lideranças populares e sindicais para cargos de direção e para conselhos. O mega-operador de mercado de Soros, Armínio Fraga, pode ocupar a presidência do Banco Central que isso não é “aparelhar”. Mas se o Paulo Okamoto ocupa a presidência do Sebrae, isso é aparelhar. Uma questão de classe.

A mentira do “brutal” aumento da carga tributária. Os tucanos dizem que o governo Lula aumentou absurdamente a carga tributária. Mentira. Eles é que aumentaram absurdamente a carga tributária: o insuspeito Instituto de Planejamento Tributário diz que a carga aumentou de 28,61% do PIB, no último ano do governo Itamar Franco (1994), para 35,84% do PIB, no último ano do governo FHC (2002). Um aumento de 7,23 pontos percentuais ou mais de 25%.

E qual foi o aumento no governo Lula? Apenas 2,01 pontos percentuais, segundo o mesmo instituto, ficando em 37,85% do PIB (5). E mais, os maiores aumentos relativos no governo Lula foram dos impostos estaduais e municipais. A carga federal aumentou apenas 1,2 ponto percentual, de 25,37% do PIB para 26,55%. Sob os tucanos a carga tributária aumentou brutalmente, mudou de escala, e sob Lula ela variou apenas na margem. Essa bandeira pegou. E pegou tão fundo que Afif Domingues quase derrotou Suplicy na disputa da vaga do Senado por São Paulo, levantando essa bandeira mentirosa do aumento brutal da carga tributária do governo Lula. Qual a função específica dessa mentira, além de ajudar a eleger mentirosos? Provavelmente, influir a favor dos empresários, nas disputas pela realocação de alíquotas e impostos, que naturalmente o governo Lula teria que promover para cumprir o compromisso com os qual foi eleito de “mudar o Brasil”.

A mentira da maior corrupção de todos os tempos. Essa é uma mentira muito grave, porque mexe com a imagem e a reputação das pessoas as pessoas, de suas famílias, seus filhos, seus amigos.Os tucanos dizem que nunca houve tanta corrupção no Brasil como no governo Lula, mas até hoje foram poucos e de pequena monta os casos de corrupção comprovados dentro do governo federal. Um dos poucos casos foi o do funcionário dos Correios Maurício Marinho, flagrado pegando grana e devidamente demitido depois de uma sindicância. Eram três mil reais (6). Em contraste, no governo FHC foram vários e de grande monta os casos de corrupção, quase todos na casa dos bilhões de reais: o prejuízo de R$ 1,54 bilhão do Tesouro no socorro aos bancos Marka e Fonte-Cindam, levando à demissão do então presidente do Banco Central, Chico Lopes, e à fuga para a Itália, onde está até hoje, do banqueiro Salvatore Cacciola; o desvio de R$ 2 bilhões de recursos da Sudam no período 1994 a 1999, que levou à renúncia do ex-presidente do Senado, Jader Barbalho, e o desvio de R$ 1,4 bilhões do Finor em 653 projetos da área da Sudene, através do uso de notas frias; o desvio de R$ 168 milhões na construção da nova sede do TRT de São Paulo, levando à prisão do juiz Lalau e de Fábio Monteiro, que conseguiam as liberações de verbas diretamente do então secretário da Presidência, Eduardo Jorge (o que não significa de necessariamente que Eduardo Jorge soubesse dos desvios) (7); o pagamento comprovado de R$ 200 mil aos deputados Ronivon Santiago e João Maia para que votassem a favor de Emenda da reeleição, levando à expulsão dos dois do PFL e renúncia de seus mandatos (8).

A mãe de todas as mentiras, a de que o governo Lula não combate a corrupção. Essa é pesada. É o governo FHC que nunca combateu a corrupção e não permitiu que fosse investigada. Não têm paralelo com o governo FHC as dezenas de operações de desbaratamento de quadrilhas no serviço publico, ou com ramificações na Receita Federal, no Ibama, na Previdência e na Polícia Rodoviária Federal, todas originárias dos tempos do governo FHC ou até de antes; destacam-se a operação vampiro e a operação sanguessuga, que desbaratou esquemas de corrupção que vinham desde 2002.

E mais, Fernando Henrique adotou como política geral impedir investigações de corrupção.Talvez porque as privatizações exigiam um ambiente de permissividade. Em vez de mandar investigar as fraudes da Sudam e da Sudene, FHC extinguiu as duas agências de desenvolvimento regional, com o que tornou praticamente impossível qualquer investigação futura. Uma modalidade de “queima de arquivo” institucional. Em vez de investigar as acusações de fraudes no DNER, extinguiu da mesma forma o DNER. Quando um grampo revelou malandragem de funcionários do BB e da Previ nas privatizações, a ponto de caírem os altos funcionários e até o ministro das Comunicações, FHC não permitiu a instalação de uma CPI da Privatização da Telebrás, usando o truque regimental de prolongar o funcionamento de várias CPIs fantasmas.

Tudo isso está na internet. Qualquer jornalista pode refrescar facilmente a memória e relembrar que eles mesmos chamavam o procurador-geral da República do governo FHC de engavetador-geral da República. Memória, pesquisa, contextualização e hierarquização adequada dos fatos. Isso é jornalismo. O resto é mentira.


Notas
1) Em discurso para 1.300 lideranças empresariais e políticos da coligação PSDB-PFL... Fernando Henrique usou um argumento recorrente entre apoiadores de Alckmin, de que os petistas usam de técnicas nazistas de propaganda, repetindo mentiras até que virem verdade. "Não se cansam de repetir mentiras, na velha técnica nazista de mente, mente, mente que pega. E pega mesmo, porque [Adolf] Hitler foi eleito. E depois?", comentou o ex-presidente.Folha On Line, 22/10/06
2) Conf. Folha de S. Paulo, 26/10/06
3) Conf. Luiz Weiss. Em O Estado de S.paulo, 25/10/06
4) Conf. Fábio Kerche e Rui Barbosa, em Valor Econômico. 28/09/06. Aparelhamento de Estado?
5)Ver http://www.ibpt.org.br
6) Crtamente alguns outros acabarão comprovados, mas o que há hoje é muita acusação , lançamento generalizado de suspeição, e pouca prova.
7) Esta lista só inclui casos comprovados pela justiça ou pelas conseqüências que geraram. Não inclui muitas outras acusações que foram engavetadas ou ficaram obscuras, e que o autor não endossa necessariamente. Entre elas: a acusação de favorecimento da Raytheon na licitação do projeto Sivam, a acusação de que diretores do Banco do Brasil receberam propina de R$ 15 milhões para induzir fundos de pensão a participarem das privatizações da Vale e da Telemar; a acusação de favorecimento no pagamento de precatórios pelo DNER em troca de propinas de 25% do valor pago.
8) Transação gravada pelo repórter da Folha. Outros três deputados acusados de vender seus votos foram absolvidos pelo plenário da Câmara.


* Artigo produzido com a ajuda de Mauricio Hashizume e Nelson Breve, entre outros.

Sobre o autor:
Jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é editor-associado da Carta Maior. É autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Rock nacional: bonito, pesado e acrítico


por: Eduardo Lima

Texto originalmente publicado em 14/01/2004 (11ª edição) na coluna Em Debate. Para ver o texto no antigo site, clique aqui.


O Rock Nacional encontrou seu auge na década de 80, após anos e anos escondidos às sombras dos monstros da MPB e da Jovem Guarda. Renato Russo, Hebert Vianna e Philippe Seabra, representaram o começo daquela juventude, rebelde e engajada, influenciada sobretudo pelas músicas Punk da década de 70 (Sex Pistols e The Clash). Brasília, até então uma pacata cidade moderna, se tornou em pouco tempo, berço de inúmeras bandas de Rock, seja neste período, que nos demais. Mas não somente na capital, ecoavam vozes de rebeldia. No Rio de Janeiro, os artistas da própria elite, saiam de suas belas mansões para cantar a indignação popular. Vale lembrar que neste período, o Brasil estava abandonando (psicologicamente) a ditadura militar. O sonho de uma grande geração de roqueiros, infelizmente, desapareceu. Com a abertura exagerada de nossa economia - com Fernando Collor - as empresas privadas, trataram de dar início ao interminável processo de privatização - continuado durante o governo FHC - cujas gravadoras, distribuidoras e bandas, acabaram em parte, prejudicadas.

Nos primórdios da década de 90 - que soa já como década antiga e demodé - as bandas de Rock da década anterior, cederam espaço à novas caras, certamente mais agressivas, estes, influenciados por Kiss, Guns 'N' Roses, Metallica, que acabara de ingressar no mundo do mainstream e Megadeth. Haviam também filhos do Punk inglês e norte-americano (Bad Religion, Dead Kennedys, NOFX). Nas periferias e subúrbios, novas bandas e novos estilos surgiam. Não haviam bases eletrônicas ou letras inteligentes, como aquelas de Vianna e Renato Russo. Agora, os temas eram outros: sexualidade, diversão e algumas indignações sociais. Nasciam então Chico Science, Planet Hemp, O Rappa, que iniciaram suas carreiras no circuito underground de suas cidades. Isto, não significa que não haviam bandas engajadas; muito pelo contrário. O Planet Hemp, adotou desde o início a postura pró-maconha, postura esta que já havia encontrado sua cara nos mexicanos do Cypress Hill. O Rappa, por exemplo, cantava em suas letras, a dura realidade das periferias cariocas. Entretanto, tais bandas e tais estilos não criaram uma "legião" de fãs e de jovens engajados, como ocorrera na década de 80.

Sexo, diversão e brigas

Além do Planet Hemp, com sua postura pró-maconha e do Rappa, cuja mistura de HipHop, Ska e Reggae os levou a serem considerados pai do movimento, outras bandas nasciam no circuitos do país. Em São Paulo, estava nascendo a banda Charlie Brown Jr., do cantor Chorão e Champignon; em 94, os Raimundos, de Digão, Rodolfo, Fred e Canisso, lançavam seu primeiro CD, mesclando o hardcore com o forró, influenciados sobretudo por Zenílton, cuja participação ocorreu em diversas músicas. Estas bandas - importantes nomes do novo Rock Nacional - tratavam de temas característicos da adolescência: sexualidade, diversão, drogas, falta de dinheiro e crises existenciais. Temas atuais e de pouco engajamento: um prato cheio para as majors (grandes gravadoras). De fato, o sucesso destas bandas, culminou em grandes mudanças, sobretudo na formação: na banda Raimundos, Rodolfo, convertido-se para uma nova religião, abandona-a; no CBJr, Thiago Castanha, guitarrista principal, sai da banda para concluir sua faculdade. Uma perda para ambas, pois agora, seus sons mudariam drasticamente. Assim foi: o CD KavooKavala, dos Raimundos, não repercutiu muito bem e todos os fãs da banda, durante os shows, pediam as antigas songs da era Rodolfo. Já a banda de Santos, saiu da esfera Punk-Hardcore-Ska, para fazer músicas mais reflexivas e melódicas: "Como tudo deve ser" e "Lugar ao Sol". Haviam também músicas pesadas e críticas, como "Eu protesto", "TFDP" e "Vícios e Virtudes": nada de especial.

Em 2002, a banda LS Jack, formada por músicos, lançou o CD V.I.B.E. - Vibrações Inteligentes Beneficiando a Existência - e dois hits, "Carla" e "A Carta", colocaram a banda entre as mais conhecidas do circuito Pop/Rock. Entretanto, um litígio com o grupo de pagode Art Popular, interrompeu a divulgação de novos hits. O incidente, repercutiu em toda mídia, deixando transparecer alguns fatores: a) A falta de crítica da mídia em simplesmente exibir os fatos b) A falta de bom senso de nossos artistas, eclodem em episódios deploráveis como este.

O engajamento está embaixo

Ao contrário do circuito midiático, onde as principais bandas tratam de temas como relações amorosas, problemas financeiros e críticas avulsas, há bandas no circuito underground que, embora o pouco dinheiro e patrocínio, fazem bons CDs e possuem de facto, postura engajada. A banda Ratos de Porão, do vocalista João Gordo - apresentador do programa Gordo a Go-Go, na MTV - além de utilizar a linguagem juvenil, como gírias e palavrões, faz críticas veementes ao sistema político e social. Além disso, continua produzindo seu CDs pelo selo norte-americano Alternative Tentacles, de Jello Biafra, ex-vocalista da banda Dead Kennedys. O som, continua o mesmo: Hardcore.

Mesma situação ocorre com as bandas Dead Fish e 10zer04, do Espírito Santo e Distrito Federal, respectivamente. A banda capixaba, além de fazer Punk/Hardcore melódico, produz seus discos pelo selo Terceiro Mundo, criado por eles mesmos. Embora o pouco patrocínio, fizeram ao longo de sua carreira musical, inúmeras músicas, criticando o sistema, a mídia e a elite. As mais conhecidas, são "Sonho Médio", "Molotov", "Mulheres Negras" e "MST". Já a banda candanga, da cidade satélite de Samambaia, mesclou som populares, como forró, ao Rap-Metal, característico da banda norte-americana Rage Against The Machine e, sons da década de 70 e 80, como Jimi Hendrix, Led Zeppelin e Dead Kennedys. Embora a pouca idade - a média é de 19 anos - suas músicas, são repletas de críticas inteligentes ao sistema político, econômico e repressão policial. O primeiro disco, de título homônimo, foi produzido por Philippe Seabra, da banda Plebe Rude, de maneira independente. Em seu primeiro lançamento, não faltam homenagens à Lampião, Antônio Conselheiro, Zumbi, entre outros ícones de nossa história. Além das críticas, expõem suas sugestões para melhorar as coisas, como na música "Globalização (a nova ordem mundial)" ou "Só com outro Zumbi ou Quilombola pode o negro alcançar a liberdade".

Como visto, o Rock nacional alcançou inúmeras classes sociais e, expandiu sua capacidade de criação para inúmeros estilos, entre eles, Hardcore, Reggae, Ska, inclusive o Dub e música eletrônica. Embora as inúmeras bandas e estilos, poucas conseguem expôr de maneira simples e inteligente suas críticas ao sistema capitalista, à repressão policial, entre outras mazelas. A possibilidade de uma grande divulgação e de grandes vendas, impedem a criticidade de tais bandas, sobretudo aquelas do grande circuito nacional. Resultado: inúmeras mudanças de formação, mudança de som e pouco engajamento político.

Outro grande fator que impede o acesso de muitos jovens à música de qualidade, é a falta de democracia no mundo musical, uma pífia divulgação da mídia, carência de programas em redes abertas para os jovens e principalmente, o número reduzido de rádios comunitárias. Há também o alto custo dos CDs e DVDs, em muitos casos, inacessíveis aos garotos de subúrbios e periferias. O pior, é a falta de capacidade e vontade de produtores e bandas para diminuir seus preços e atrair assim, mais fãs, sem necessariamente alterar a qualidade musical. O mundo musical não rejeita cabeludos, punks e roqueiros sofisticados: basta excluir o senso crítico e o engajamento. Como dito, há também bandas que, embora o pouco dinheiro, têm postura engajada, participam de projetos políticos e sociais, sem alterar a qualidade musical de seus respectivos estilos. Muitos, seriam os fatores para um debate entre jovens, adultos, fãs, produtores e mídia sobre a democratização dos meios de comunicação e da música. Por tais motivos, pode-se dizer que o Rock Nacional está bonito, pesado, porém, acrítico.

Sobre o autor:
Estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília e editor do blog TarjaPreta.

Boris Casoy e o Golpe de 64


por: Eduardo Lima

Texto originalmente publicado em 31/03/2004 (16ª edição), na coluna de Imprensa & Mídia. Para ler o texto no antigo site, clique aqui.

Boris Casoy, é o jornalista que deixa marcas sobre aqueles que o assistem, tanto por seu carisma, quanto por sua competência jornalística. É indubitável que seja um dos âncoras mais respeitados do país, respeito este, adquirido com inúmeras participações em rádios e programas de TV, entre eles, o Jornal do SBT, que o lançou ao mundo jornalístico. Boris, é também conhecido por ser um jornalista que diverge da relação teórico-prática, já que não possui curso superior em Comunicação Social / Jornalismo. Seu carisma com o público, como dito, é muito grande e seu nome, soa aos ouvidos de muitos jornalistas, como sinônimo de “bom jornalismo”.

Não obstante suas qualidades jornalísticas, absolutamente louváveis, seu atual telejornal, o Jornal da Record, adotou a técnica da “opinião do âncora”, técnica esta criada pelo próprio Boris. Como funciona? Ao término de uma reportagem em seu jornal, ele, se vira para um lado e a câmera focaliza-o mais de perto, para transmitir assim, seu comentário sobre a matéria. Como sempre faz, não poupa críticas, embora demonstre sem constrangimentos, sua postura antiesquerdista. Em vários casos, conclui sua “opinião” com a frase-chavão “Isto é uma vergonha!”. Seus comentários, no entanto, se confundem com a matéria em si, deixando o telespectador confuso sobre: a) a postura do jornal b) a postura do apresentador. As opiniões de Boris, se tornam mais marcantes, como dito, que a própria reportagem, e em muitos casos, são tendenciosas e cheias de frases subliminares.

Isto sim que é vergonhoso

Como citado acima, Boris não esconde sua postura antiesquerdista, sobretudo quando a matéria exibida em seu telejornal, tem por protagonistas movimentos sociais, como o MST, ou mesmo líderes socialistas como Fidel Castro e Hugo Chávez. Em seus comentários, trata subitamente de rotulá-los como ditadores ou assassinos, por exemplo. Também não poupa críticas aos líderes palestinos, quando se trata do confronto Israel-Palestina. Se fizermos uma espécie de “túnel do tempo” do apresentador-jornalista, veremos uma sua participação naquilo que foi o “embrião” do golpe de 64. Como líder estudantil e as informações que dispunha – absolutamente questionáveis – ele ajudou a divulgar a idéia de uma possível “ditadura” comunista (leia os textos do especial sobre a ditadura militar publicados neste site). Em entrevista ao site Jovemcracia não se diz arrependido daquilo que fez, e mais, disse que “faria” tudo novamente. Ressalta ainda que figuras como Ulysses Guimarães, participaram posteriormente, do processo de redemocratização do país, tendo este participado também como “porta-voz” do regime militar. Em caso de um (não desejado) retorno à um regime militar no país, Boris, indubitavelmente, seria (e será) o primeiro porta-voz para um possível retorno dos militares ao poder.

É ótimo e louvável que a Record, terceira maior emissora do país, possua um telejornal e jornalista de qualidade. É necessário também dizer que estes grupos midiáticos (Record, Bandeirantes, SBT, entre outras) de tendências pseudodemocráticas, discutam a possibilidade – viável, só depende deles e dos telespectadores – de uma democratização dos meios de comunicação. É vergonhoso dizer também que somente 8% dos municípios produzam notícias para todo país, segundo dado revelado pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais (leia na coluna de mídia, o texto de Gustavo Barreto). Igualmente lamentável é ver que existem na grande imprensa, figuras célebres e tendenciosas, como Boris Casoy.

Mas não seria a grande imprensa, tendenciosa, com postura de centro-direita ou até mesmo de direita?

De fato, a postura “imparcial” da grande mídia, seja ela impressa ou eletrônica, é questionável. Um passo para a mudança, seria incentivar a competição équa entre os grupos. Mas deveria haver democratização, antes de mais nada. Isto, significaria brusca queda nos índices de monopólio Global, e daquela da grupo Abril, para citar alguns casos. Seria necessário uma desarticulação de tais grupos midiáticos, para que suas tecnologias sejam “democratizadas”. Para que o jornalismo regional seja incentivado. O mesmo diga-se para o jornalismo crítico e investigativo. Com isso, diminuiria a relação governo-mídia e vice-versa, para que reuniões com o BNDES (ocorreu dia 24 deste mês) sejam absolutamente evitadas (poupando o mau uso de dinheiro público).

O acima assinado, conclui este humilde texto, com a frase-chavão do jornalista em questão, exaustivamente repetido em seu jornal e levemente reformulado: “Isto sim que é vergonhoso”.


Sobre o autor:
Estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília e editor do blog TarjaPreta.

Viva o Estado mínimo e a iniciativa privada!

por: Bernardo Bucinski

Nesta segunda fantasia política, nosso colunista narra o hipotético encontro do candidato com 22 importantes empresários e banqueiros.


Uns estão sentados ao redor da majestosa mesa oval da diretoria do banco. Outros se servem de canapés de caviar e camarão num balcão ao longo da parede. Bebem Chivas Regal 18 anos e Rothschild safra 1970. O candidato pede atenção, batendo delicadamente as mãos.

“Prezados amigos. Quero em primeiro lugar agradecer a presença de todos, e a concordância em manter este encontro sob reserva. Agradeço em especial ao Benjamin, também ao André e demais amigos do banco que organizaram tudo (1). O adversário é ladino, e provocou um grande estrago na nossa campanha ao me obrigar a desmentir publicamente nossos planos de privatizações. Vejam vocês, fui obrigado a desmentir até por escrito, na carta ao PDT. Muitos me telefonaram, intrigados, cobrando uma explicação. Pedi esse encontro para explicar o momento delicado que atravessamos e reafirmar nosso compromisso. Ora, que sentido teria a minha candidatura se não fosse para retomar as privatizações interrompidas por este governo populista? Não teria sentido nenhum.

As privatizações foram a grande tarefa histórica do PSDB. Foram quase 50 empresas, todo o setor siderúrgico, fertilizantes, petroquímica, teles, bancos, tudo a preço de oportunidade (2). Praticamente todo o patrimônio acumulado por gerações e gerações de brasileiros. E nós conseguimos. Não foi fácil, mas conseguimos. Privatizar é a nossa razão de ser. Temos que tirar do Estado brasileiro a capacidade de fazer política econômica à revelia do mercado".

(murmúrios de aprovação, alguns batem com o nó dos dedos no tampo da mesa em sinal de aprovação)

“Não vamos confundir necessidades de campanha, com os verdadeiros compromissos políticos, que como vocês sabem, eu nunca traí. A redução da participação do estado na economia é um dos fundamentos de nossa doutrina, como disse muito bem o Luiz Carlos (3). Pois eu não vendi um bom pedaço da CESP há menos de quatro meses? Não mandei à Assembléia a lei que permite a privatização da empresa de transmissão? (4) E, antes disso, não privatizamos a Sabesp, a Comgás, a CPFL?

Lembrem-se de que em 12 anos só aqui no Estado de São Paulo, o PSDB privatizou 20 empresas? Agora mesmo, eu não tomei todas as medidas para vender 20% das ações da nossa Caixa? (5) É verdade que o Cláudio teve que suspender a venda dessas ações, mas isso é temporário. A reação foi muito forte. E é sobre isso que eu quero falar. Porque está claro que vamos ter que mudar de tática. Fazer com que a proposta venha do Congresso. Usar palavras diferentes. Privatizar virou palavra feia, essa é que a verdade. Sofremos aí uma derrota ideológica, localizada mas importante e se não reconhecermos isso, não vamos conseguir privatizar mais nada. E há muita coisa ainda a ser privatizada, os serviços portuários, as estradas de rodagem, a Susep, bancos estaduais, a maior parte do setor elétrico, isso sem falar nos Correios, Banco do Brasil e a Petrobras (6)".

(muito bem, é isso aí, batidas de aprovação)

“Vou ser franco com vocês, o Fernando errou outro dia quando disse que era favorável a privatizar a Petrobras (7). É claro que se a Petrobras fosse privada daria muito mais lucro e seria muito mais eficiente. Mas para que falar em privatizar a Petrobras se podemos simplesmente vender mais blocos de ações com direito a voto? Vender ao público, aos trabalhadores, aos fundos de pensão. Vamos chamar isso de controle popular, controle social, democratização. Ao mesmo tempo fazemos ofertas públicas de grandes lotes na bolsa. Aí vocês entram comprando pesado.

Hoje, 40% das ações da Petrobras já são negociadas na bolsa de Nova York. Isso graças a nós, ao PSDB, graças ao Fernando. E eu vou continuar. Isso eu prometo. Mas com inteligência. Vou propor parcerias com a iniciativa privada no setor energético, no gás. Incentivar a entrada de empresas privadas na distribuição de gás, no mercado de refino e transporte de petróleo (8). Mesmo antes dessa reação, eu só falava em privatização para casos menos sensíveis com a Susesp. Evitava até falar da privatização dos Correios. Dizia que era preciso amadurecer mais um pouco (9). Vamos inovar gente. Vamos criar toda uma nova linguagem, positiva. Pra frente. É quase a mesma dificuldade enfrentada pelo Fernando, quando os americanos exigiram as privatizações, inclusive da Petrobras, para emitir os títulos do Tesouro americano de 30 anos, que garantiram os bradies da renegociação da dívida externa. Sem o Plano Nacional de Desestatização, não teria havido URV, nem nada (10).

Mas a reação no caso da Petrobras foi forte demais. O que fez o Fernando? Mandou uma emenda ao Congresso propondo a “flexibilização” no monopólio de exploração do petróleo. Não falou em privatização. Falou em flexibilização. Foi extremamente cuidadoso. E conseguimos. Hoje centenas de blocos de exploração já estão nas mãos das multinacionais. Às vezes é uma questão de timing. O Fernando também não começou pela Vale, que era o patrimônio mais importante que a equipe do Real queria vender, depois da Petrobras. E vejam o sucesso dessa operação. Foi arrematada por apenas R$ 3,3 bilhões e hoje só num semestre consegue o dobro disso de lucro (11).

É verdade que ainda há 30 ações na justiça contra a privatização da Vale. Mas nós temos os melhores advogados. Já derrubamos 60, vamos derrubar essas trinta também. Vejam o caso do André, que está aqui ao meu lado, seu banco pagou US$ 80 milhões de dólares para ficar com 20% da Light e hoje essas ações já valem 180 milhões de dólares. Um lucro de 130% (12). Todas as privatizadas estão dando um belo retorno graças às tarifas que conseguimos emplacar, os contratos que esse governo populista felizmente ainda não conseguiu modificar. Mas tenham a certeza de que é o que eles vão fazer, se continuarem no poder. Por isso é que eles querem tirar o nosso pessoal das agências reguladoras.

Agora, vamos falar do Banco do Brasil. Eu sei que é isso o que mais interessa. É um caso complexo. Talvez eu tenha que retalhar o banco, como fiz com a Nossa Caixa, que eu dividi em sete subsidiárias, para poder ir vendendo uma a uma (13). Já conseguimos emplacar a idéia de que os petistas colocaram o Banco do Brasil a serviço de um partido político e de que o futuro do Banco do Brasil está na privatização (14). E talvez tenhamos que resolver primeiro o problema do crédito rural, estimular os bancos privados a entrarem pesado no crédito rural, senão não vamos conseguir o apoio da bancada ruralista para privatizar o BB.

Com vocês vêm, tudo tem o seu tempo. O importante agora é vencer a eleição. Vamos vencer. Vamos virar o jogo, como viramos no primeiro turno. E vamos acabar com o aparelhamento do Estado, acabar com o Estado gigante. O Estado têm que ser mínimo. Esse são meus dois compromissos: Estado mínimo e retomada cautelosa mas firme das privatizações".

(O candidato reforça as últimas palavras esticando dois dedos da mão direita, num sinal que também é o da vitória. Alguns aplausos. Ruidosas batidas de aprovação no tampo da mesa..)

- fim da fantasia política -

(1) “A despeito das palavras de Alckmin, o banco Pactual segue acreditando que um mandato do PSDB entre 2007 e 2010 teria impactos favoráveis sobre as empresas estatais, dada a possibilidade de privatização. Para Pactual, a Eletrobrás é a companhia mais bem posicionada...” Yahool Notícias, Infomoney, 06/10/2006.

(2) Conf. "O Brasil privatizado". Aloysio Biondi. FPAS, São Paulo,1996.

(3) Luiz Carlos Mendonça de Barros, em Valor econômico, 09/01/06

(4) Projeto de Lei que altera o Programa Estadual de Desestatização (PED).

(5) Conforme Elio Gaspari na Folha de S. Paulo e O Globo, 15/10/2006.

(6) Declarações textuais de Mendonça de Barros, EXAME, junho de 2006.

(7) Conf. Folha de S. Paulo, 18;10/2006

(8) Conf. O Programa de Governo do candidato.

(9) Conf. O Globo de 15/01/06

(10) Conforme relato detalhado de Maria Clara Machado, em "A Real História do Real", p. 179. Ed.Record. RJ, 2005. p. 155.

(11) Conf. Brasil de Fato, 07/08/06. O lucro do primeiro semestre de 2006 foi de R$ 6,1 bilhões.

(12) Conf. EXAME, de 27/09/2006, p. 14;

(13) Uma delas, a Nossa Caixa Seguros e Providência já foi vendida em maio de 2005à Mapfre Vera Cruz Seguradora, por R$ 225,8 milhões.

(14) Conf. Maílson da Nóbrega, In; O Estado de S. Paulo, 01/10/2006

Sobre o autor:
Jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é editor-associado da Carta Maior. É autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Entrevista ao blog Notícias de Jayro

por: Eduardo Lima

O editor do blog TarjaPreta foi entrevistado pelo estudante de Jornalismo Jayro, que possui um blog pessoal. As perguntas foram realzidas via e-mail e publicadas em seu blog no último dia 19. A entrevista está sendo republicada aqui.

O candidato do PSDB conta com o apoio da mídia e dos setores produtivo-financeiro. Se depender deles, o candidato do PT não retorna ao planalto.

José Eduardo Lima Pessoa Virgolino, estudante do 3º semestre de jornalismo na Universidade Católica de Brasília, nessa entrevista fala sobre os rumos do Brasil, em especial, sobre a campanha eleitoral que envolve Lula e Alckmin. Eduardo Lima não acredita em grandes mudanças para que seja alterada a situação, na qual o Brasil se encontra, e critica o candidato Lula por não apresentar uma alternativa ao neoliberalismo. Avalia os meios de comunicação como a peça chave na disputa entre Lula e Alckmin.

1) Qual a sua avaliação sobre a disputa eleitoral?
A atual disputa eleitoral se apresenta aos olhos do eleitor como a disputa dos meios de comunicação. A tecnologia das urnas eletrônicas, embora questionável, contribui para uma maior agilidade no processo de apuração dos votos. Todos esses elementos não são suficientes para que haja transparência. Primeiramente, tem que descentralizar o poder de influência concentrado na grande imprensa. A imprensa alternativa, rádios comunitárias e internet (sites, blogs) também devem ser mais atuantes desse processo. Um dos grandes problemas dos governos é a democratização dos meios de comunicação. Em 8 anos de Fernando Henrique Cardoso, não houve nenhum avanço nesse sentido. A grande imprensa em seu governo saiu com enormes dívidas, muitas delas pagas com dinheiro público. Nos primeiros 4 anos de governo Lula, não notou-se avanço nesse sentido. Pelo contrário, o governo federal preferiu dar continuidade a política adotada por FHC, fechando várias rádios comunitárias. Quanto mais informação e concorrência entre os meios, melhor para o público eleitor. E isso infelizmente não está sendo visto nessa disputa eleitoral.

2) O que representa as candituras Alckmin e Lula?
Lula e Alckmin representam as duas maiores forças políticas e ideológicas brasileiras. Ambos defendem o desenvolvimento pelo viés capitalista, mas com roupagens diferentes. No primeiro, embora não haja grandes mudanças na política econômica, ainda é possível fazer mudanças e avanços na área social. O segundo diz que irá ampliar programas sociais do atual governo, por não ter argumentos suficientes para criticá-lo. Seu sonho na verdade é dar continuidade ao processo neoliberal, de privatização do setor público, aumento na taxa de juros, acordo de empréstimo com o Fundo Monetário Internacional, concorrência de mercado sem um mínimo de fiscalização do Estado e uma política externa mais sintonizada com Washington e União Européia. Para conquistar credibilidade com os eleitores, usa as bandeiras da ética e da geração de emprego e renda. Além disso, o candidato do PSDB conta com o apoio da mídia e dos setores produtivo-financeiro. Se depender deles, o candidato do PT não retorna ao planalto.

3) Qual é o desafio do povo brasileiro ante ao neoliberalismo? E o papel do Brasil no cenário internacional?
O neoliberalismo, enquanto doutrina econômica ganhou força nos anos 60 e 70, como principal contraponto ao keynesianismo. Surgiu com os austríacos Friedman e Hayek e na escola de Chicago. É importante ressaltar que tal doutrina nunca foi aplicada na prática, como previam seus idealizadores, mas ganhou adeptos, porta-vozes e respaldo da mídia. Foi implementado na Grã-Bretanha e nos EUA, chegando na América Latina ainda nos anos 80. No Brasil, foi implementado por Fernando Collor, no início dos anos 90 e aprofundado com Fernando Henrique Cardoso, durante seus 8 anos de governo (1994-2002). Como toda causa, colhemos as consequências: aumento da violência, da desigualdade social, diminuição da participação do Estado como fiscalizador e mediador das forças sociais, concentração midiática, entre outros. O neoliberalismo, como nova face do capitalismo, não conseguiu diminuir as desigualdades sociais e econômicas. Pelo contrário, contribuiu para o aumento do abismo social existente em nossa sociedade, que já é grande. Precisa-se partir de alguns pontos importantes:

1) Desafiar o neoliberalismo, com propostas novas e originais. O sucesso dessa teoria foi exatamente sua capacidade de ousar, numa época de consenso. Acredito que, a nova doutrina terá como fundamento a economia de cooperativa. Os governos de esquerda precisam prestar mais atenção nela;

2) O povo brasileiro tem que se unir em torno de uma causa comum, que é lutar contra o neoliberalismo. Para isso, é necessário ver não somente os movimentos sociais e trabalhadores como elementos distintos, e sim, como forças de um mesmo processo;

3) Para que o neoliberalismo deixe de ganhar força, é necessário a união das forças de esquerdas e dos movimentos sociais, juntamente com os trabalhadores, como citei anteriormente.