Por: Eduardo Pessoa
Tempos atrás surgiu a oportunidade de assistir ao filme chamado Apocalíptica. O filme praticamente passou despercebido pelas salas do cinema, embora seu diretor seja um dos grandes ícones do cinema hollywoodiano: Mel Gibson. Sim, ele mesmo, o diretor do filme “Paixão de Cristo”.
Os telespectadores incautos, que se recordam das cenas chocantes do segundo filme, provavelmente se choquem com esse filme. Sim, ele é chocante, não pelas cenas violentas – têm muitas, mas não em abundância como Paixão de Cristo – mas pela qualidade da filmagem, da fotografia, dos atores e da linguagem, que tentou ser o mais fiel possível da original.
O filme inicia com uma floresta densa, e um grupo de índios correndo atrás de seu alimento – uma anta. A corrida pára quando uma armadilha repentinamente captura a anta e eles finalmente podem degustá-la. Um dos membros é vítima de uma brincadeira dos demais machos, por conta da sua falta de “virilidade”. Para melhor seu desempenho com a companheira, oferecem a ele os testículos do animal, que além de ser nada apetitoso, não tem nenhuma finalidade terapêutica. Por fim, ele acaba regurgitando os testículos do bicho.
O ponto em questão tratado no filme, porém, é uma tribo de índios das florestas mexicanas que são dominados por outra tribo, tecnologicamente avançadas em armas, rituais e organização. Tudo leva a crer que a tal tribo sejam os Mayas.
O filme usa e abusa dos efeitos especiais, já vistos no filme anterior, embora Mel Gibson percorra todo o filme a partir da visão da tribo oprimida e da noção de “medo” alimentada pelo protagonista. O tempo todo ele tenta fugir, se esconder e ludibriar seus “medos”, mas eles somem quando assume a atitude de enfrentá-los, e de salvar sua tribo da sangria religiosa dos rivais, derrotando um a um seus integrantes. A mesma cena de captura da anta se repete no final do mesmo, quando um dos índios dos Mayas é vítima da armadilha.
Durante a visualização de Apocalíptica, a tribo dominada sempre aparece em tons “neutros”, enquanto que os dois grupos dominantes – os Mayas de início e os espanhóis depois – aparecem em tons mais claros e luminosos, mostrando que o poder e o domínio são coisas iluminadas, ou seja, divinas. A companheira do protagonista, que já tinha um filho, está grávida de outro filho, e ela, para se proteger da barbárie dos Mayas, fica presa durante todo o filme dentro de um buraco e diversos fatos acontecem – e nos recordam – que ela está ali, viva, aguardando o retorno de seu companheiro.
O buraco com a índia preso dentro é a analogia de milhões de mulheres que querem sua autonomia e independência, mas que ainda são presas a concepções tradicionais de seus namorados, esposos e maridos, que não aceitam que ela arrume emprego – e ganhe mais do que ele – que ela tenha a liberdade sobre o próprio corpo, e sobre os próprios sentimentos. Atitudes retrógradas são divulgadas, vez ou outra, pelos meios de comunicação. O episódio da menina Eloá, brutalmente assassinada na cidade de Santo André – ocorrido em Outubro de 2008, com participação canina da mídia – é um retrato dessa falta de liberdade que muitas mulheres ainda presenciam. O perfil do protagonista, por sua vez, relata o perfil de um povo que luta com todas as forças para sobreviver. Não é mera coincidência que a história dele se confunda com a história das classes mais pobres no Brasil, que lutam com todos os meios para sobreviver a voracidade do capital especulativo privado, que promove – a seu modo – meios de demitir os trabalhadores, aumentar seus lucros e desumanizando o processo trabalhista, com incentivos e dinheiro do Estado. Em alguns momentos de nossa história, apontamos para um processo de consciência nacional e de controle da população sobre os meios de produção e os processos econômicos. As iniciativas populares foram duramente reprimidas pela Ditadura Militar, que tratou de manter as coisas “no seu devido lugar”.
Hoje nos confrontamos com um país, que apesar dos esforços do governo em mantê-lo longe das ondas da crise econômica, os ventos de recessão já sopram por aqui: mais de 50 mil empregados na indústria, no setor automobilístico, entre outros, estão desempregados. A fusão entre empresas falidas contribui para o aumento de demissões em massa.
Assim como o protagonista de Apocalíptica, é importante que os movimentos sociais brasileiros, compostos por grupos oprimidos social e economicamente deixem seus medos de lado e estabeleçam, dentro de nossa agenda socioeconômica, novas pautas para o mundo capitalista especulativo, que tirou dinheiro dos setores produtivos e dos mercados internos, acumulando-os em instituições financeiras, na sua grande maioria privadas. Faz-se urgente propor não apenas novos rumos econômicos, mas novos rumos sociais, pois o mundo atual, com as estruturas capitalistas sugando e diminuindo o conceito de nação e povo, não está muito diferente do Apocalipse, que inspirou o título do filme.
Estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília e editor do blog TarjaPreta.
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