Após assistir às campanhas do SIM e do NÃO, além de várias manifestações a favor e contra o Estatuto do Desarmamento, o acima assinado decidiu tecer algumas críticas e jogar um pouco de luz neste tema bastante complexo. Primeiro é necessário explicar o que é Referendo. Referendo é a ratificação ou não ratificação de uma norma. Isto quer dizer que o Referendo é convocado após a edição da tal norma. Neste caso, a Lei de n° 10.286, de 22/12/2003, também conhecida como Estatuto do Desarmamento, só entrará em vigor ou não após o Referendo. Dito isso, inicia-se a tecer as críticas. Quem está sendo julgado? Embora seja banal esta pergunta, muitos eleitores sequer sabem ou se questionam qual instituição está sendo julgada com este Referendo. Para esclarecer esta dúvida, o indivíduo, neste caso, a instituição que está sendo julgada é o Governo e as suas políticas de Segurança Pública. Mas e o Governo? O Estado finge que o Estatuto não lhe diz respeito. As autoridades das três esferas - municipais, estaduais e federais - com exceção de pouquíssimos, se pronunciam sobre o assunto. Preferem calar-se e se apoiar em números de segurança pública que do ponto-de-vista prático são pífios, sempre aquém das expectativas. O Ministério da Justiça, para combater a violência nas cidades do entorno do Distrito Federal, gastou R$ 2,5 milhões na aquisição de novas viaturas. Muito dinheiro, mas ao mesmo tempo pouco para um problema bem mais amplo. Nunca é demais refrescar a memória e lembrar o episódio da Casa de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro, em Junho do ano passado. Uma verdadeira chacina, digna de fundamentalistas islâmicos. Ou de belicosos como George W. Bush. O então secretário de segurança pública, Anthony Garotinho, se utilizou da incapacidade da imprensa carioca de fazer estardalhaços para impôr a ideologia do cala-a-boca. Resultado: mais de 40 mortos na Chacina, imprensa atônita e um (grande) jornalista demitido. Isso sem falar nos recentes episódios do Centro de Atendimento Juvenil (CAJE), uma espécie de FEBEM brasiliense, provando que a integração de infratores, adultos ou menores, na sociedade, é completamente ultrapassada, assim como a abordagem do tema da Segurança Pública pelos governantes e pela imprensa.
SIM ou NÃO? O debate vai além de 6 letras
A campanha publicitária de esclarecimento a população conta com duas frentes, a favor e contra o desarmamento. Aqui surgem mais críticas. A campanha do SIM faz uso exacerbado de atores globais, como Andréa Beltrão, José Mayer e Fernanda Montenegro. Indubitavelmente grandes profissionais. Mas eles, assim como poucos em nosso país, têm a possibilidade de investir em segurança privada, de morar em condomínios vigiados por câmeras de vigilância interna e externa, e de estarem cada vez mais afastados da vida social. Além disso, a campanha do SIM apega-se a fatalidade, ao mostrar que a violência acabará e as armas deixarão de existir. Não precisa ser nenhum intelectual para compreender que isso é falso. Para combater a violência, são necessárias políticas sérias, investimentos pomposos e sobretudo uma maior participação da população acerca dos problemas sociais. No Brasil, se vive a cultura da "lei que pega ou não pega". O mesmo está ocorrendo com o Referendo, explicitado na campanha do SIM. Por outro lado, a campanha do NÃO conta com um argumento forte: a autodefesa. Afinal de contas, o Estado fez investimentos carentes em segurança pública e as polícias nem sempre são eficientes e cordiais em suas abordagens. Porém, a autodefesa não é a melhor solução para o problema da Segurança. Senão vejamos. Segundo César Alberto Souza, Major da Polícia Militar do Paraná, em artigo ao Observatório da Imprensa, argumenta que na Austrália, o número de mortes caiu 43% e o número de homicídios por armas de fogo 50% (Australian Bureau Of Statistics, 2003). Embora a campanha do NÃO argumente o aumento na onda de criminalidade naquele país, esquecem de citar o aumento de 20% nos assaltos cometidos com armas brancas. Segundo o mesmo artigo, na Inglaterra, as armas de fogo são usadas apenas em 8% dos assassinatos, e no Japão, a taxa de homicídio, segundo a Organização Mundial de Saúde-OMS é de 0,03 para cada 100 mil habitantes (dados de 2002). A campanha do NÃO também omite o fato que a indústria de armas precisa de consumidores, de mortes e da mídia para continuar lucrando. A reportagem panfletária da Revista Veja (edição n° 1295, n°40) é um exemplo deste marketing bélico. Enfraquece o debate e faz (como fez) um estrago enorme. Vende mentira como verdades absolutas. Viola inclusive as normas eleitorais, que diz:
As emissoras também estão proibidas de veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a qualquer das propostas do referendo; e de veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica às frentes parlamentares, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates sobre o referendo.
Outro sinônimo de que arma em casa não é segurança, argumentado por Souza, está na pesquisa Datasus, de 2002. Segundo a pesquisa, 44% das vítimas de homícidio por armas de fogo são mulheres. Ou seja, elas correm mais risco de serem atingidas por uma bala do que o bandido. Outro dado interessante, publicado no (www.referendosim.com.br) mostra que 90% das armas em circulação no país, se encontram nas mãos de civis, sendo apenas 10% pertecentes ao Estado (Polícia, Exército, etc...). Uma pergunta que não foi respondida por nenhuma das duas frentes: Quem são os bandidos? Quais são os seus perfis? A que classe social (ou classes sociais) pertencem? Seria interessante apresentar dados sobre estas perguntas.
Crítica aos jovens acríticos
Os brasileiros deram e dão ampla demonstração de que Referendo é coisa séria, e levam a coisa muito a sério. Ponto para nós. São vários os debates acerca do tema, tanto em âmbito midiático, quanto em âmbito virtual - em blogs, fotologs, sites especializados, portais, entre outros. Uma grande parcela destes críticos são os jovens brasileiros, divididos entre o SIM e o NÃO. Mais críticas. Muitos jovens, pelo contato em debates, conversas e opiniões, estão cada vez menos críticos, sendo espelhos de ambas as propagandas, movidos a paixões. Em grande maioria, estão aderindo ao NÃO. Deveras lamentável. O bom senso levaria a votar SIM. Lamentável que inclusive jovens da academia não teçam críticas construtivas ao Estatuto, às políticas de Segurança Pública. Do contrário, preferem acalentar suas inseguranças em polêmicas apaixonadas, fervorosas, esquecendo - talvez por escassez de exercício crítico - que o problema da violência é de fator histórico, ou seja, uma série de fatos e acontecimentos que levam até eles, e não fatos isolados. A violência por sua vez, não acabará em um piscar de olhos. Acabará com investimentos maciços, políticas de segurança pública sérias e sobretudo maior fiscalização da população.
Violência é conseqüência da desigualdade social
Além de tecer críticas, supracitadas, é necessário contextualizar esse problema histórico, tão comum nas falácias de políticos e prato cheio para empresários da "fome": a desigualdade social. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, mostra que o emprego com carteira assinada aumentou 0,53%. A mesma pesquisa mostra que 1.219.236 são os assalariados com carteira assinada, ou seja, 4,95%. O setor de serviços foi o que mais empregou trabalhadores, com 70.181 vagas (0,70%). Embora os bons números, as perspectivas de empregar todo mundo não são nada animadoras. Dados da Organização Internacional do Trabalho mostram que a taxa de desemprego entre os jovens, por exemplo, é altíssima, sendo 88 milhões de jovens desempregados (47%). Em 2015, segundo a mesma OIT, haverá 660 milhões de jovens procurando emprego. A tendência é que o número de trabalhadores, sobretudo jovens aumente. O mercado de trabalho terá condições para acolher esses futuros profissionais? A coisa fica ainda pior entre os jovens pobres, pois sofrem vários tipos de discriminação - social, econômica e étnica. Os investimentos em saneamento básico, sobretudo nos bairros menos abastados, são escassos. Os investimentos em educação, idem. A questão da Segurança Pública - que o governo insistiu em jogar pro tapete - está vindo a tona com este Referendo. Agora imagine o leitor como se sente o cidadão trabalhador - cujo salário de R$ 300 não lhe permite pagar todos os impostos, fazer a cesta básica mensal, investir em cultura e lazer - ao ser bombardeado com propagandas consumistas nos meios de comunicação, com pessoas cada vez mais jovens e bonitas ascendendo rapidamente de classe social e usufruindo de todos os prazeres materias da vida (carros velozes, casas luxuosas, aviões particulares)? Obviamente frustrado por não haver alcançado o mesmo patamar. Imagine o leitor como se sente o jovem pobre, cujo barraco de dois cômodos não possui sequer saneamento básico, ao ter seu espaço tomado por um Coliseu da moda - conhecido como Daslu -, em que uma simples garrafa térmica de café custa aproximadamente R$ 10.500, ou seja, a renda per capita de todo este bairro pobre? Sem dúvidas, frustrado e impotente diante de tanta ostentação. O que se faz diante de tanta propaganda ideológica? Se tenta ingressar nesse processo ideológico, participar ativamente (lembrando que mais de 1/3 da população mundial está fora do processo de consumo capitalista). Sem saneamento básico, sem um sistema de saúde de qualidade, sem educação digna, sem emprego e salários dignos, o que fazer? Em vários casos, a maneira mais fácil de ascensão social ocorre através da criminalidade. E eis que surgem os crimes contra a propriedade (furto de veículos, de roupas, de celulares, de relógio, de casas, etc...). E eis que surgem os porta-vozes do reacionarismo, na defesa exacerbada de suas propriedades privadas. E eis que de outro lado, surgem os porta-vozes da fatalidade, do bom mocismo, do "pega bem votar SIM, ser contra o desarmamento".
E o dinheiro da Segurança Pública?
Este acima assinado lança outra pergunta: e onde está (ou estaria) o dinheiro para a Segurança Pública? Mesmo que seja apenas um indício, aqui está uma resposta: verbas públicas serão investidas em Marketing. Um artigo, publicado na revista Comunicação Empresarial (n° 56, 3° trimestre de 2005), mostra que para 2006, a Comissão de Orçamento e Finanças da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, prevê investimentos de 1,5 bilhão na área de Publicidade (nos quais a articulista argumenta serem apenas 10% do montante destinado à estratégia de comunicação). Para ações de comunicação institucional, que atualmente são administradas pelas agências Matisse e Lew Lara (o acima assinado teve a oportunidade de conhecer dois profissionais desta última em um workshop sobre publicidade), serão investidos aproximadamente R$ 156,5 milhões. R$ 1 milhão seria destinado às Publicidades de Utilidade Pública (PUPs), e para as estatais - Banco do Brasil, Petrobrás, Empresa de Correios e Telégrafos - seriam destinados os mesmos R$ 644,3 milhões deste ano. A Publicidade legal, coordenada pela Radiobrás, ficaria com R$ 150 milhões, e os investimentos em patrocínios culturais e esportivos, com 500 milhões anuais. Isso sem falar na produção das peças publicitárias, que ficariam com R$ 100 milhões. Assim, o investimento do governo em Publicidade para o próximo ano será de aproximadamente R$ 1,5 bilhão. Esse dinheiro não poderia ser melhor investido em Educação, em Saúde e Segurança Pública? E os R$ 500 milhões destinados aos deputados para votação de emendas? Poderiam ter outra finalidade? Em tempos de mensalão, mensalinho, caixa dois e crises políticas, é justo o ex-deputado Roberto Jefferson receber uma aposentadoria de mais de R$ 8 mil, sendo a média do funcionalismo público igual ou inferior a R$ 2 mil? Sendo o salário mínimo de R$ 300? O acima assinado espera ter jogado um mínimo de luz neste tema. A mídia e a sociedade deveriam fazer o mesmo.
Sobre o autor:
Estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília e editor do blog TarjaPreta.
Um comentário:
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Posted on Thursday, October 13 2005 @ 23:25:11 CEST by LSDsmurf When cameraphones were still new and no one had heard of Textamerica or Flickr, moblogging was the term given to taking pictures with your phone ...
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