sábado, 15 de outubro de 2005

Armemo-nos... com senso crítico! (2)

por: Eduardo Lima

O acima assinado pretende continuar o debate acerca do tema sobre o desarmamento, iniciado neste blog ontem. Acima de qualquer embate ideológico, bastante comum na imprensa brasileira, se deve esclarecer a população, munindo-a de informações relevantes. Informações, colocadas em momentos certos, contribuem não apenas para a escolha do "Sim" ou "Não", mas também para um momento de reflexão, precedente a tomada de posição. Uma dessas informações relevantes se encontra na primeira pesquisa de intenção de voto, realizada pelo Ibope, encomendada pela TV Globo e divulgada no Jornal Nacional. Respondendo a pergunta "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no país?", 49% responderam "Não" e 45% responderam "Sim". 6% não opinaram ou não souberam responder. Uma pesquisa anterior, realizada pelo instituto Vox Populi, mostrava o "Sim" com 70% de adesão e o "Não" com 30%. A pesquisa do Ibope mostra que o "Não" é maior entre os homens: 54% contra 44% das mulheres. A maioria das mulheres, por sua vez, escolheria o "Sim" (47% contra 41% dos homens). Isso corrobora parcialmente o divulgado na pesquisa Datasus, de 2002, em que 44% das vítimas por armas de fogo são mulheres, correndo maiores riscos de ser vítima de uma arma de fogo que um bandido.

Maior renda "Não"; menor renda "Sim"

A pesquisa mostra ainda em quais regiões as frentes parlamentares são vitorio
sas. O "Não" venceria na região Sul, com 65% contra 27% dos entrevistados, e também na região Norte/Centro-Oeste, com com 55% contra 40%. O "Sim" venceria na região Nordeste, com 54% contra 42% e também na região Sudeste, com 46% contra 45%. Entretanto, nota-se uma diferente tomada de posição, sobretudo nas regiões Norte e Centro-Oeste. Uma pesquisa de opinião pública, realizada pelo mesmo Ibope, entre os dias 14 e 18/07, mostram as duas regiões favoráveis a proibição (86% dos eleitores). Para ler a pesquisa Ibope de de julho, clique aqui. É importante notar não apenas as regiões em que as frentes são vitoriosas, mas em quais faixas de rendas essas frentes tem maior adesão. O referendo sobre o desarmamento é uma verdadeira luta de classes. Senão vejamos. Quem tem a renda mais elevada vota "Não". 68% dos eleitores com renda superior a dez salários-mínimos são contra a proibição do comércio de armas e munição, contra 35%. O "Não" também aparece entre aqueles com renda entre cinco e dez salários-mínimos, sendo 57% dos entrevistados contra 36% entre os que votariam "Sim". A situação muda entre aqueles com renda inferior ao mínimo. O "Sim" aparece com 56% dos eleitores e o "Não" com 39%. Outra constatação interessante, a partir da pesquisa, está no nível de escolaridade dos entrevistados. Os entrevistados que possuem nível superior completo votariam "Não" (55% contra apenas 5%), ao passo que, aqueles com nível fundamental até a 4ª série, votaria "Sim" (53% contra 40%).

Visões diferentes de insegurança


Como visto no tópico anterior, a diferença social entre ricos e pobres influencia em suas possíveis tomadas de posições. Aqueles com maior renda e instrução, votariam "Não", ao passo que aqueles com menor renda e instrução, votariam "Sim". Concepções diferentes de criminalidade? Sim. Os "ricos" têm maior acesso aos bens de consumo, possibilidade de uma instrução de qualidade nos ensinos fundamentais e médios, tendo maiores chances de ingressar em boas universidades públicas. Os "pobres" pecam pelas más instalações dos colégios públicos, tendo chances inferiores de serem admitidos em boas universidades federais ou estaduais. É o abismo social. Pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA) - vide CartaCapital, edição n° 321, 15/12/2004 - mostra que 65% dos entrevistados responderam "Sim, aumentou", a pergunta "A sensação de medo, diminuiu, aumentou ou permaneceu igual?". Embora seja unânime a sensação de insegurança, a mesma muda conforme a classe social. A Classe "A", por exemplo, teme assalto a mão armada e roubo de carro (72% e 73% respectivamente). A Classe "E", teme o medo de perder o emprego (89%) e os maus-tratos por parte de policiais (63%). Os dois tópicos caem bruscamente na Classe "A" (69% e 44%, respectivamente).

O cenário em que a população brasileira se encontra inserida - policiais atuando como braços do tráfico de drogas, sede da PF a mercé de roubos, entre outros - aumenta a sensação de caos e
insegurança. Além disso, a respeito do Referendo, poucos juristas foram ouvidos. Seus pareceres jurídicos são importantes. O direito de não possuir uma arma também colide com o direito, garantido pela Constituição, da liberdade do indivíduo (de possuir uma arma portanto). Além da segurança pública, está sendo votado neste referendo, um direito constitucional conquistado. Todavia, as duas frentes parlamentares, pelo "Sim" e pelo "Não" abordam a questão de maneira lúdica, repleta de paixões e sem o necessário aprofundamento de dados, opinião de acadêmicos e intelectuais do ramo jurídico, jornalístico, sociológico e psicológico (para citar alguns). Nas palavras da jornalista Nídia Martins, em artigo ao Observatório da Imprensa, "se apoia uma cultura da paz, tecle sim, se gosta da violência, tecle não".

Seria bom refazer tudo!

A imprensa, ou seja, os olhos da sociedade, precisa urgentemente de um oftamologista. Ao invés de contribuir para que o debate amadureça pelo viés da segurança pública, da eficiência e intelectualidade dos policiais, e na melhoria de outras questões sociais, como educação e saúde, a imprensa presenteia a população com reportagens baseadas em mitos, em dados inverídicos ou parcialmente verídicos, transformando mentiras e meias-verdades em verdades absolutas. A revista Veja e o Jornal Nacional têm contribuído para esta distorção de informações. Além disso, o próprio referendo surge em um momento no qual o governo passa por uma grave crise política, envolvido em esquemas de caixa 2 e compra de votos de deputados. O que desvia o foco das atenções. Boa parte da população está interessada em como acabarão as CPMIs: se em pizza ou se terá final feliz (com os deputados de fato envolvidos, presos, e os inocentes, absolvidos). Outra: como os iniciais 70% de adesão ao "Sim", segundo o Vox Populi, diminuíram agora com essa pesquisa? Os entrevistados não mudaram de opinião após a veiculação das campanhas? Aqueles votaram "Sim", na verdade, queriam votar "Não", mas tinham coragem de admitir? Com grandes possibilidades. Ou boa parte dos 49% que votaram "Não" são pessoas que torcem o nariz para o presidente Lula e sua adesão - embora, como primeiro homem da República, tenha se comportado de maneira errada - ao "Sim" (Mais vidas, menos armas, Folha de S. Paulo, 9/10/2005). Uma solução para essa distorção seria adiar o referendo, aguardar o fim das CPIs e reformular todas as campanhas publicitárias. No texto anterior, o acima assinado mostrou que para 2006, estão sendo previstos investimentos de aproximadamente 1,5 bilhão. Somente com as campanhas de ambas as frentes, o investimento foi de R$ 700 milhões. Combater a criminalidade com marketing? O marketing está na moda ultimamente. Para concluir, o acima assinado lança uma nova pergunta e reitera outra: por quê não se fala em dar mais autonomia ao Ministério Público? Quem são os bandidos? Quais são os seus perfis? E qual sua classe social (ou suas classes sociais)? Porque os ricos que convivem menos com a violência que os pobres, aderiram a campanha do "Não"? Porque "têm tudo a perder"? Por isso os crimes contra propriedade superam - e muito - os crimes contra a vida.

Sobre o autor:
Estudante de jornalismo pela Universidade Católica de Brasília e editor do blog TarjaPreta.

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